Sobretudo, Jesus Cristo estabeleceu Seu Reino nas coisas do espírito. É nos Céus que ele se realiza, e quando do Juízo Final estará consumado. Na terra este Reino espiritual é construído e dilatado na Igreja e através da Igreja.
Com efeito, ser cristão é reconhecer-se súdito de Cristo, tributar-lhe a honra devida ao Rei dos reis e Senhor dos senhores.
Trono de Cristo é, portanto, também a nossa alma. Não basta dizer-se seguidor de Jesus. É preciso que Ele reine sobre nós (cf. 1 Co 15,25), e isso consubstancia-se em mudarmos nossa mente pela de Cristo, nossos pensamentos e sentimentos pelos d’Ele, tudo submetendo a Seu império.
No acertado ensino de Sua Santidade, o Papa Pio XI, é “necessário que Cristo reine na inteligência do homem, que, com perfeito acatamento, há de assentir firme e constantemente às verdades reveladas e à doutrina de Cristo.” (Sua Santidade, o Papa Pio XI. Encíclica Quas Primas, de 11 de dezembro de 1925, nº 34)
O Reinado de Jesus sobre as almas efetiva-se por darmos nosso intelecto a Ele pela fé, que vem a ser justamente, nesse sentido, o ato através do qual a inteligência, movida pela vontade, adere à verdade por Deus revelada, que é mantida, preservada, guardada, pregada, explicitada e defendida pelo Sagrado Magistério da Igreja.
A vontade, logo, também deve ser submissa à realeza do Salvador.
Por isso continua o Santo Padre: “É necessário que reine na vontade, que há de obedecer às leis e preceitos divinos. É necessário que reine no coração, que sobrepondo os afetos naturais, há amar a Deus acima de todas as coisas. É necessário que reine no corpo e em seus membros, que, como instrumentos, devem servir para a interna santificação da alma.” (Sua Santidade, o Papa Pio XI. Encíclica Quas Primas, de 11 de dezembro de 1925, nº 34)
O Reinado de Jesus Cristo sobre o homem, em suma, manifesta-se na alma e no corpo.
Reina Jesus na alma quando a inteligência, a vontade e o coração a Ele estão submetidos, nos termos do exposto acima. Tal domínio sobre a alma deve refletir-se necessariamente no corpo, sob pena de sacrificarmos em nome de um platonismo a própria antropologia cristã, que vê no homem uma unidade fundamental só dissolvida temporariamente pela morte e refeita na ressurreição da carne.
A inteligência na qual Cristo reina é aquela que, pela fé, adere à doutrina pela Igreja pregada.
A vontade na qual Cristo reina é aquela que obedece à Lei de Deus, fazendo o bem, evitando o mal e mantendo a comunhão com a autoridade – o Papa e os Bispos.
O coração no qual Cristo reina é aquele que ama a Deus sobre todas as coisas e enxerga n’Ele o princípio da caridade com a qual deve amar o próximo como a si mesmo.
O império de Nosso Senhor sobre o corpo, por sua vez, é o reflexo de Seu Reinado nas potências da alma. O corpo no qual Cristo reina, por isso, é aquele que serve de instrumento à santificação, não se deixando escravizar por paixões desordenadas e apegos carnais. Não deve o corpo ser desprezado, num conceito novamente platônico e, por isso mesmo, estranho à Fé da Igreja, mas submetido à alma de forma a demonstrar o senhorio de Jesus sobre o homem todo.
Sinal da relação entre alma e corpo, ambos de domínio de Cristo, é a ligação das realidades espirituais com as temporais, tema que veremos a seguir.
Por ora, ressaltemos que o Reinado espiritual de Jesus não se dá somente em cada cristão individualmente. Como formamos um Corpo, a Igreja, do qual, aliás, é Ele a Cabeça, temos que Cristo é Seu Rei.
Jesus é Rei da Igreja por ser Rei de cada um de seus membros, e também por direito próprio, eis que ela é obra Sua, fundada por Ele mesmo em São Pedro e nos Apóstolos, continuada nos sucessores destes. Esta Igreja, da qual Cristo é Rei, anuncia e prepara a plenitude do Reino, que, longe de uma perspectiva gnóstica e milenarista, chegará, no fim dos tempos, por especial intervenção de Deus, quando dos novos céus e da nova terra.
O Reinado de Cristo na esfera temporal
“(...) erraria gravemente quem subtraísse a Cristo-Homem o Seu poder sobre todas as coisas humanas e temporais.” (Sua Santidade, o Papa Pio XI. Encíclica Quas Primas, de 11 de dezembro de 1925)
Alma e corpo têm independência em seu campo próprio de atuação. Em sua esfera, porém, ainda que livre, não pode o corpo contrariar a alma, e nos conflitos com questões mistas, esta última deve prevalecer. Da mesma maneira, ensina Leão XIII na Immortale Dei, o governo do gênero humano foi repartido entre Estado e Igreja. Na esfera temporal, cuidando dos negócios civis, atua o Estado livremente, independente e soberano.
“A autoridade não é força incontrolável, é sim faculdade de mandar segundo a sã razão. A sua capacidade de obrigar deriva, portanto, da ordem moral, a qual tem Deus como princípio e fim.” (Sua Santidade, o Papa João XXIII. Encíclica Pacem in Terris, de 11 de abril de 1963, nº 47)
Na esfera espiritual, cuidando dos negócios religiosos, atua a Igreja livremente, independente e soberana. Ambos são instrumentos de Deus para a ordenação do bem comum: temporal e espiritual. Como, todavia, o bem temporal é transitório e subordina-se ao espiritual, temos que a Igreja, segundo o Magistério dos Papas, tem uma supremacia sobre o Estado.
As duas autoridades não se confundem, tampouco se separam. Não pode, outrossim, o Estado ter supremacia sobre a Igreja, nem esta o ter de maneira direta em relação àquele. A supremacia da Igreja sobre o Estado é indireta: mesmo em seu campo de ação, a esfera temporal, o Estado não pode gerir os negócios civis em desrespeito à Lei de Deus e à lei natural; e nas questões mistas, havendo conflito, prevalece a vontade da Igreja, pois a regra máxima é a salvação das almas.
De tal maneira, Cristo reina sobre o Estado. Este, como súdito de Jesus, não pode desobedecê-Lo. Assim, imoral uma lei que permita o aborto, pois contraria as Leis de Cristo, Rei do Universo.
“Sob o aspecto social, a Igreja reafirma a disposição de trabalhar conjuntamente com as forças da sociedade livremente organizada e dos poderes temporais constituídos para promover ações capazes de erradicar definitivamente a miséria. Do ponto de vista moral, a Igreja considera o subjetivismo e o individualismo exacerbado, o consumismo ilimitado, o utilitarismo pragmático, o imediatismo irresponsável, a cultura do descartável e, principalmente, o hedonismo, a prepotência do mais forte sobre o mais fraco, a supremacia de um povo sobre outro, a escravidão dos mais pobres aos mais ricos, a corrupção ativa e passiva, como práticas que ferem os princípios éticos, distanciando as pessoas umas das outras, acirrando o egoísmo e os ódios incontáveis, enfim, afastando os seres humanos da solidariedade e do afeto, necessários para uma convivência menos aterradora.
Finalmente, sob o prisma espiritual, a Igreja reforça a fé na salvação do homem, quando cada um de nós for capaz de se libertar dos condicionamentos que nos amesquinham diante do próximo e de Deus, e quando o mandamento maior de Cristo for vivenciado por todos com verdadeira intensidade. Por defender os valores que dignificam a vida humana é que a Igreja permanece viva e atuante. ‘O respeito pela pessoa humana implica que se respeitem os direitos que decorrem de sua dignidade de criatura. Estes direitos são anteriores à sociedade e se lhe impõem. São eles que fundam a legitimidade moral de toda autoridade. Conculcando-os ou recusando-se a reconhecê-los na sua lei positiva, uma sociedade mina sua própria legitimidade moral.’ (Catecismo da Igreja Católica nº 1930).” (Sua Eminência, Dom Geraldo Magella, Cardeal Agnelo, Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil. A Igreja se posiciona. Comunicado da CNBB, em 17 de julho de 2004, reproduzido por Zenit, ZP04070517)
Pio XI pontifica que “o dever de adorar publicamente e obedecer a Jesus Cristo não somente obriga aos particulares, senão também aos magistrados e governantes.” (Sua Santidade, o Papa Pio XI. Encíclica Quas Primas, de 11 de dezembro de 1925, nº 33)
“É direito de Deus governar assim os Estados como os indivíduos. Não é outra coisa o que Nosso Senhor veio procurar na terra. Ele deve reinar inspirando as leis, santificando os costumes, esclarecendo o ensino, dirigindo os conselhos, regulando as ações quer dos governos quer dos governados. Onde Jesus Cristo não exerce este reinado, há desordem e decadência.” (Cardeal Pie, in Histoire du Cardinal Pie, Tomo I, livro II, cap. 2, p. 698)
As pessoas das quais Cristo é Rei vivem em uma sociedade, em uma Nação, sob um Estado. Também nestes Jesus deve reinar. O Papa São Pio X, em seu lema – inspirador da Coleta da Missa de Cristo Rei –, pretendia restaurar todas as coisas em Cristo. Ele é Senhor não só das realidades espirituais, mas também das temporais; deve-se a Ele obediência privada e pública.
“Quando o cristianismo não constitui a alma da vida pública, do poder político, das instituições públicas, então Jesus Cristo tratará a tal país como este país trata a Ele. Reservará sua graça e suas atenções para os indivíduos que o servem, mas abandonará a sua sorte as instituições e poderes que não o servem.” (CARDEAL PIE, Louis. Apud CATTA, E., La doctrine polítique et sociale du Cardinal Pie, París: 1959, p. 85)Como Cristo Reina sobre a esfera temporal?
Considerado o Reinado em si mesmo, Jesus Cristo reina diretamente sobre a sociedade civil, sobre as Nações, sobre todos os reinos do mundo. O exercício desse Reinado, entretanto, não é direto, mas através das autoridades políticas, os Estados, que a Ele se submetem.
Também através da Igreja, que os auxilia, segundo o princípio da supremacia indireta formulado pelo Beato Pio IX, por Leão XIII, e por São Pio X, e dos leigos, os quais têm por vocação própria ordenar as estruturas temporais segundo Deus (cf. Concílio Ecumênico Vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium, de 21 de novembro de 1964, nº 31)
É doutrina católica que, sendo Cristo o Rei do Universo – e, portanto, também da esfera temporal –, as leis positivas civis não podem contrariar os preceitos da Lei de Deus (no caso de um Estado católico) e da lei natural (em todos os Estados). Antes, devem promovê-los, explicá-los, e livremente legislar no campo que lhes é próprio, nunca contradizendo os direitos divinos.
“Não menos nocivo se mostra o erro contido naquelas concepções que não hesitam em dispensar a autoridade civil de toda e qualquer dependência do Ente supremo, causa primeira e Senhor absoluto tanto do homem como da sociedade, e de todo liame de lei transcendente, que deriva de Deus como de fonte primária, e lhe concedem uma ilimitada faculdade de ação, abandonada à onda inconstante do arbítrio ou tão-somente aos ditames de exigências históricas contingentes e de interesses relativos.
Renegada assim a autoridade de Deus e o império da sua lei, o poder civil, por consequência inevitável, tende a atribuir a si aquela absoluta autonomia que compete ao Autor Supremo, a substituir-se ao Onipotente, elevando o estado ou a coletividade a fim último da vida, a critério sumo de ordem moral e jurídica, e interdizendo todo o apelo aos princípios da razão natural e da consciência cristã.” (Sua Santidade, o Papa Pio XI. Encíclica Summi Pontificatus)[..]
[..]Sustentando o Reinado de Cristo sobre a esfera temporal, discursava o Papa:
“É inaceitável, bem como contrária ao Evangelho, a pretensão de reduzir a religião ao âmbito estritamente privado, esquecendo paradoxalmente a dimensão essencialmente pública e social da pessoa humana. Saiam, pois, às ruas, vivam sua fé com alegria, façam chegar aos homens a salvação de Cristo, que deve penetrar na escola, na cultura, na vida política!” (Sua Santidade, o Papa João Paulo II. Homilia na Santa Missa pela Consagração da Catedral de Almudena)
O Reino de Cristo, pois, espiritual, deve ser refletido em todos os âmbitos e estruturas da esfera temporal, na política como nos demais: a cultura, a filosofia, os meios de comunicação, as artes, o lazer, o esporte, a educação, a família, o pensamento jurídico, as ciências etc. As leis humanas devem servir e favorecer o cumprimento da Lei de Deus, e a lei positiva civil nunca contrariar a divina, a eterna e a natural. Os costumes humanos precisam ser coerentes com a Moral revelada. Toda ação e pensamento dos homens são terreno propício para a sua santificação. “O Reino de Cristo não é deste mundo, mas se encontra neste mundo. Deve levedar toda a massa.” (GRINGS, D. Dadeus. Dialética da Política. História Dialética do Cristianismo, Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994, p. 313)
A reforma das estruturas temporais – as quais, na Idade Média e em certos ambientes da modernidade, estavam submetidas a Cristo Rei – identifica-se com a expansão do Reinado de Jesus sobre a sociedade civil, e é, na prática, um projeto que visa “chegar a atingir e modificar, pela força do Evangelho, os critérios de juízo, os valores que decidem, os centros de interesse, as linhas pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e os desígnios de salvação.” (Sua Santidade, o Papa Paulo VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, de 8 de dezembro de 1975, nº 19)
Sustentando o Reinado de Cristo sobre a esfera temporal, discursava o Papa:
“É Causa dos problemas contemporâneos é a Revolução cultural anticristã, de caráter gnóstico, laicista, liberal, antropocêntrico e igualitário, que desvincula fé e razão, sociedade religiosa e sociedade civil, Igreja e Estado, esfera espiritual e temporal, culto privado e culto público. “Duas potências vivem e se acham em luta no mundo moderno: a Revelação e a Revolução. Esses dois poderes negam-se reciprocamente, e aqui está o problema fundamental.” (VEUILLOT, Louis. A ilusão liberal, XXIII)
Negando-se à benéfica submissão a Jesus Cristo, Rei do Universo, o mundo afunda na loucura em que tudo passa a ser permitido e a natureza é violentada, com leis abortistas e pró-gay, v.g.. “A ruptura entre a ordem espiritual e a ordem racional é o maior problema que o mundo moderno tem a enfrentar.”(DAWSON, C. Religione e Cristianesimo nella Storia della Civiltà, Roma: Paoline, 1984, p. 152)
Somos levados pelos inimigos da Igreja a criticar o período em que a doutrina de Cristo inspirava toda a sociedade. A falsificação da História é das manobras aquela que mais ajudou a que tantos “torçam o nariz” quando se fala na Idade Média. A Igreja, contudo, da Idade Média diz palavras as mais elogiosas.
“Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil.” (Sua Santidade, o Papa Leão XIII. Encíclica Immortale Dei, de 1º de novembro de 1885)
"Cristo Rei, sois dos séculos Príncipe, Soberano e Senhor das nações! Ó Juiz, só a vós é devido julgar mentes, julgar corações"
Viva Cristo Rei!
Rafael Vitola Brodbeck